Proposta de princípios para regulação de plataformas de redes sociais
O CGI.br apresenta à sociedade uma proposta preliminar de princípios para a regulação de redes sociais e convida todos para contribuírem com este esforço de elaboração para o avanço das discussões sobre a regulação de plataformas digitais no Brasil. No exercício de sua atribuição, de estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no país, o Comitê propõe mais um diálogo com a comunidade de governança da Internet.
A regulação de redes sociais deve ser orientada por princípios que garantam a defesa da soberania nacional, da democracia e do Estado Democrático de Direito, assim como a proteção dos direitos fundamentais, a promoção de um ambiente informacional saudável, a preservação da liberdade de expressão e o estímulo à inovação. Tais princípios buscam equilibrar o poder das plataformas com a responsabilização por efeitos nocivos causados à sociedade, garantindo transparência, proporcionalidade, respeito à diversidade e aos direitos humanos.
Com base na sistematização da Consulta do CGI.br de regulação de plataformas digitais, realizada em 2023, adota-se a seguinte definição:
Plataformas digitais operam sobre uma infraestrutura tecnológica digital, que usa a tecnologia de Internet para conectar suas aplicações de interface e estruturá-las de forma específica e reprogramável, com o objetivo principal de intermediar a relação entre diversos atores — conectando, por exemplo, fornecedores de serviços e produtos a consumidores e usuários —, tendo como características marcantes o uso intensivo de dados e de tecnologias de Inteligência Artificial (IA) e efeitos de rede.
Redes sociais, por sua vez, são um tipo de serviço de plataformas digitais, que pode ser definido como: uma plataforma digital cuja principal finalidade seja a conexão entre usuários para estabelecer relações sociais diversas, que produzem conteúdos (como informações, opiniões, e ideias em formatos distintos como textos ou arquivos de imagens, sonoros ou audiovisuais). Em plataformas de redes sociais a circulação destes conteúdos e a interação entre usuários é qualificada pela ação de mecanismos automatizados (algoritmos de aprendizagem de máquina e modelos avançados de Inteligência Artificial).
De acordo com a Tipologia de Provedores de Aplicação elaborada pelo CGI.br, Plataformas de Redes Sociais podem ser enquadradas como aquelas que possuem funcionalidades de alta interferência sobre a circulação de conteúdo gerados pelos seus usuários. Os sistemas de automatização organizam e distribuem os conteúdos por meio do emprego de técnicas de coleta e tratamento de dados para perfilização, difusão em massa, recomendação algorítmica, microssegmentação, estratégias de incentivo ao engajamento contínuo, impulsionamento próprio ou pago, publicidade direcionada, dentre outras. Ainda que essa intermediação, por vezes, seja benéfica aos atores envolvidos, as atividades desses provedores oferecem riscos, considerando seus incentivos e a forma como são realizadas. Exemplos de funcionalidades que promovem alta interferência na circulação e na disponibilidade de conteúdos produzidos por terceiros são os sistemas de impulsionamento e recomendação de conteúdo baseados em perfilização, veiculação de anúncios, propaganda programática etc.
A partir desta conceituação, o CGI.br propõe 10 Princípios para a Regulação de Plataformas de Redes sociais:
As atividades das plataformas devem respeitar a supremacia da Constituição Federal e o ordenamento jurídico do país, garantindo a prevalência do direito soberano do Estado brasileiro de adotar medidas e políticas para a proteção do Estado Democrático de Direito, da democracia, da segurança nacional, de seus cidadãos e a promoção da diversidade das expressões culturais em seu território.
A regulação deve assegurar a proteção da dignidade humana e dos direitos fundamentais, incluindo a liberdade de expressão, consideradas suas dimensões individual e coletiva, a privacidade, igualdade, o direito a não discriminação e a proteção absoluta aos direitos da criança e adolescente, buscando combater a incitação à violência, ao discurso de ódio e a todas as formas de discriminação nas plataformas digitais.
A regulação deve promover meios que permitam aos usuários decidir quando, como e em que medida seus dados pessoais podem ser coletados, usados, armazenados e compartilhados, inclusive nos processos de perfilização, moderação e recomendação de conteúdos. Inclui também o direito de usuários e grupos escolherem a que informações quer ter acesso, como o padrão da oferta de conteúdos que lhe é destinada com base em seus dados pessoais. Deve promover, também, a garantia da preservação da memória, determinando a criação de mecanismos para organizar e armazenar conteúdos - mesmo que não disponíveis ao público, para fins de pesquisa e registro histórico.
A regulação deve atuar para proteger o direito à informação e promover a precisão, consistência e confiabilidade do conteúdos, dos processos e dos sistemas de informações. Para a manutenção de um ecossistema saudável e seguro devem ser promovidas informações de qualidade; conteúdos jornalísticos e científicos; e políticas de preservação da memória e de enfrentamento a fraudes e desinformação.
A regulação deve promover a inovação e o desenvolvimento social, econômico e tecnológico, possibilitando a geração de renda, visibilidade de produtos e serviços, novas formas de trabalho decente e dinamização da economia digital, especialmente para pequenos empreendedores, criadores de conteúdo, prestadores de serviços autônomos e negócios locais. A regulação deve fomentar um ambiente digital que sustente múltiplas alternativas tecnológicas, garantindo que indivíduos, grupos, comunidades e empresas possam criar e manter modelos que facilitem uma existência econômica digna, que valorize a colaboração, o bem comum e outras formas de geração de valor.
A transparência e prestação de contas são essenciais para o desenvolvimento adequado das atividades de redes sociais, considerando seu impacto social, econômico e político. As plataformas devem ser transparentes em relação a seus sistemas de moderação (inclusive quanto à composição das equipes de moderação), algoritmos de recomendação e políticas de impulsionamento e monetização, incluindo meios adequados de participação e verificação nas remoções de conteúdos, por padrões abertos e padronizados (quando aplicável) e aberturas qualificadas de dados relevantes para pesquisadores independentes e autoridades públicas.
A regulação deve garantir aos usuários das redes sociais os direitos de portabilidade e interoperabilidade. Deve ser possível solicitar, a pedido do titular dos dados, a transferência de dados em um formato estruturado, comumente usado e legível por máquina. A regulação deve promover, considerando os desafios técnicos e responsabilidades legais, a capacidade de diferentes serviços digitais trabalharem juntos e se comunicarem entre si, o emprego de protocolos e padrões abertos, permitindo que os usuários combinem vários serviços com funcionalidades complementares, inclusive por meio de obrigações que permitam a portabilidade em tempo real, de forma que o conteúdo possa ser lido e processado de forma instantânea e automática por computadores e sistemas digitais distintos.
As plataformas de redes sociais devem envidar seu melhor esforço para prevenir e precaver os potenciais danos decorrentes de suas atividades, sobretudo aqueles advindos da circulação de conteúdos. As redes sociais são responsáveis pelos danos decorrentes de riscos sistêmicos inerentes ao serviço prestado, devendo repará-los ou mitigá-los. Entende-se por danos decorrentes de riscos sistêmicos, aqueles causados pelo ambiente da rede resultante de suas políticas de transparência, moderação (incluindo ações de redução de alcance ou ocultamento), recomendação e impulsionamento de conteúdos.
A regulação deve reconhecer a pluralidade de atores no ecossistema digital, prevendo obrigações de acordo com as diferenças de porte e impacto das plataformas, adotando modelos assimétricos e proporcionais que considerem os riscos decorrentes das atividades.
A regulação das redes sociais deve se basear em um arranjo institucional que envolva uma governança multissetorial e órgãos independentes dotados das necessárias capacidades para sua atuação, a exemplo de capacidade técnica e fiscalizatória.
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