Por que participar
A regulação de plataformas digitais ganhou, nos últimos anos, relevância global, com variados países aprovando ou debatendo modelos de regulação. No Brasil, diversas propostas sobre o tema vêm sendo tratadas no executivo, legislativo e judiciário e pela sociedade civil brasileira, no entanto sua complexidade e abrangência implicam dificuldades em se alcançar consensos.
As plataformas digitais são extremamente diversas - em tamanhos, serviços, modelos de negócios etc. -, assim como os impactos e transformações, positivas e negativas, trazidos por suas atividades. Há uma série de riscos (presumidos e/ou comprovados) que as atividades das plataformas oferecem, abrangendo mercados e economias, direitos humanos, o funcionamento de democracias e as formas e condições de trabalho. A preocupação, em geral, é centrada nas grandes plataformas que oferecem serviços que se tornaram indispensáveis para a vida econômica, política e social – como mecanismos de busca ou redes sociais -, cujas atividades propiciam maior potencialidade de danos.
Pesquisadores têm apontado diversos impactos no âmbito da economia. Se por um lado as plataformas digitais desempenham funções relevantes, conectando empresas e usuários, por outro, oferecem novas formas de poder, assimetrias e abusos na economia. Algumas plataformas gozam de enormes economias de escala, de efeitos de rede (aproveitando sua natureza multilateral), de integração vertical e das vantagens decorrentes da concentração de dados. Plataformas possuem, ainda, a capacidade de configurar os espaços e condições de interação de acordo com seus interesses. Pode-se, assim, chegar ao controle sobre ecossistemas inteiros, sendo estruturalmente difícil que a posição dessas plataformas seja desafiada, disputada ou até mesmo regulada.
Os potenciais efeitos negativos sobre a economia, como desequilíbrios graves nas relações comerciais, em detrimento dos preços, da qualidade, lealdade na concorrência, escolha e da inovação no setor digital são insofismáveis. Nesse contexto, uma diversidade de atores aponta a insuficiência dos instrumentos regulatórios atuais, ex ante e de mecanismos do antitruste, em dar conta destes novos problemas.
Alguns pesquisadores apontam, ainda, que uma série de serviços e mercados vêm sofrendo um processo de plataformização. As grandes plataformas, assim, emergem como lógica organizacional de mercados e áreas essenciais da vida em sociedade (como comunicação, saúde, educação energia etc.), podendo impactar capacidades estatais de desenvolvimento, atuação em políticas públicas e, em última instância, sua soberania.
Outrossim as dimensões e alcances das atividades das plataformas envolvem também uma série de transformações nas formas e condições do trabalho. Há uma variedade de trabalhos mediados por plataformas, que envolvem deslocamento, como transporte de passageiro, limpeza, entregas, dentre outros. Há também o trabalho online, em grande parte mediado ou executado por meio de plataformas, como tradução, design, treinamento de sistemas de Inteligência Artificial, dentre outros. Há ainda uma grande quantidade de usuários que produzem conteúdos nas plataformas profissionalmente e que dependem fortemente das condições e estrutura dessas empresas (como especialistas em marketing digital e produtores de conteúdos/influencers). Muitos pesquisadores apontam uma série de desafios e desequilíbrios deste novo contexto que podem ou devem ser endereçados pela regulação.
Por fim, há os efeitos negativos do uso das plataformas nos processos democráticos e eleitorais, bem como na segurança e saúde pública, com o uso massivo das funcionalidades oferecidas por esses atores para influenciar a opinião pública através de campanhas de desinformação coordenadas. Tais efeitos já são inclusive objeto de iniciativas legislativas, com destaque para o Projeto de Lei 2630/2020. Observa-se, também, a circulação de conteúdos ilegais e nocivos como de incitação ao ódio ou conteúdos pedopornográficos. Aponta-se, assim, possibilidades de impactos em diversos direitos fundamentais, como dignidade humana, liberdade de expressão e direito à informação, privacidade, proteção de dados, direito à não discriminação, direitos da criança e defesa dos consumidores.
A variedade e potencial de dano dos impactos negativos e riscos que as atividades das plataformas trazem para a sociedade impõem razões para regular, assim como ocorreu em outros períodos de grandes transformações tecnológicas. É nesse sentido que o CGI.br escolheu estruturar a consulta em torno de quatro principais grupos de risco: (i) concorrência, consumo, abuso de poder econômico e concentração econômica e de dados; (ii) soberania digital e desenvolvimento tecnológico; (iii) trabalho decente; e (iv) democracia e direitos humanos. Essa escolha e agrupamento são frutos tanto de um trabalho de levantamento bibliográfico empreendido pelo Grupo de Trabalho de Regulação de Plataformas do CGI.br, quanto da formulação de consensos multissetoriais entre os conselheiros ao longo desses dois anos de pesquisas e debates públicos.
Assim, a fim de cumprir o objetivo de subsidiar a construção do marco regulatório, a consulta se estrutura primordialmente no mapeamento dos principais riscos relacionados as atividades das plataformas digitais e no apontamento das medidas regulatórias capazes de mitigá-los. Sendo antes necessário definir o próprio objeto da regulação (as plataformas e suas variedades); e, depois, formular como essas propostas regulatórias poderiam ser implementadas.